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ESTADO DE LIVUSIA

FICHA TÉCNICA

ARTISTA

Virginia Di Lauro

CURADORIA

Gabriela Motta

PRODUÇÃO

Guilherme Mautone, Guilherme Leon & Bianca Lagasse

TEXTO CURATORIAL

E foram virando peixes,

Virando conchas,

Virando seixos,

Virando areia,

Prateada areia,

Com lua cheia,

E à beira-mar

Chico Buarque, Mar e Lua, 1980.

Interpretada por Cida Moreira.

As cabeças e os olhos cerrados. As cavernas, as pedras e as entranhas do corpo. Galhos, folhas e raízes. Tripas, seios e líquidos. As imagens fotográficas laceradas e as figuras femininas.

Tudo é corpo; ou melhor, corpa e, enquanto corpa, respira, sangra e produz calor. 

Diante das imagens concebidas por Virginia Di Lauro, o afã em nomear os signos, os traços ali presentes, vem acompanhado da ânsia em perceber a insuficiência do procedimento. Cada imagem se transforma em uma vertigem, um rastro de por onde a mente da artista vagueia na busca por formas, fusões, decomposições, atravessamentos, capazes de elaborar um sentido diante da ruína de nosso tempo. Vivemos a falência de projetos utópicos alicerçados em exploração de recursos humanos, naturais, espaciais e a urgência de imagens menos efêmeras para dar conta desses processos, imagens que nos proponham a invenção de mundos novos. 

Deter-se diante da imagem, extirpá-la, conhecer as linhas das figuras, multiplicar alquimicamente um sujeito, aumentar-lhe o pescoço, assomar matéria ao corpo da imagem, experimentar o gosto do ferro, lamber a chuva, pisar a terra com os pés descalços, repetir a própria face até estranhar-se, até revelar-se infinita. Esses procedimentos aparecem nas fotografias, objetos, vídeos, pinturas, produzidas por Virgínia para tecer histórias visuais nas quais figuras femininas protagonizam narrativas em ebulição. Viver na sua intensidade é tenso, ela parece nos dizer. Reconhecer-se parte e não aparte do mundo faz do mundo a própria carne. Cenas noturnas, florestas, cavernas, fossos, grutas, abismos, são as circunstâncias em que estas personagens se encontram, transformando-se, por vezes, elas mesmas em estruturas arquitetônicas. 

No caso dos trabalhos em fotografia, por exemplo, Virginia parte quase sempre de imagens de seu próprio corpo (autorretratos, poderíamos dizer?) para, através da manipulação das imagens e de interferências sobre o papel, sugerir a materialização da massa informe do delírio, dos sonhos, dos medos e desejos que nos constituem.

Pesadelos ainda são sonhos, ambientes que nos habitam, desalinhando as costuras dos dias em outras tramas. 

 

Nesse processo de construção de mundos, os títulos das obras participam da elaboração de sentidos dos trabalhos, reverberando em texto a atmosfera das imagens. “Olhando o céu ruir, atravessando o medo”; “Escuta, algo cresce na atmosfera estranha dos tempos”; “Também no caos, escutava, gestava, crescia”; “Viver era uma ferida aberta” são alguns desses nomes misteriosamente literários que abraçam as imagens. Em uma dessas fotografias, “Sob o céu de maio”, três figuras femininas sentadas em círculo, parecem sustentar com as cabeças a parte superior da imagem. Uma espécie de coluna vertebral externa estrutura cada figura, como raízes a crescer para fora da terra. Fios delicados conectam olhos e bocas dessa(s) mulher(es), cujos braços repousam ora no colo, ora ao lado do corpo. O repouso não é relaxamento, mas constância na missão de suspender o céu. Reminiscências da enchente encharcam a lembrança dessa vivência, mas – como diria Manoel de Barros – chovendo no futuro. 

A Livusia que dá nome à exposição é daquelas palavras insubstituíveis. Confusão? Perigo? Agitação? Bagunça? Fantasma? Tudo junto? – não há sinônimo suficiente, pois só ela mesma abraça seus sentidos, inclusive pelo som que produz, pelo assovio que habita o encontro de suas letras finais, pela lisura da palavra que corre na boca feito cobra no sertão.

Virginia Di Lauro incorpora em sua poética a livusia da existência, nos oferecendo em imagens um possível porvir alucinadamente individual e utopicamente coletivo.

Gabriela K. Motta​

Pesquisadora, crítica e curadora em artes visuais

Professora adjunta na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Departamento de Artes Visuais (UFRGS/DAV)

REALIZAÇÃO

Remanso - Instituto Cultural

APOIO

Café Musa Velutina

Cabocla Cervejas Artesanais

CLASSIFICAÇÃO INDICATIVA

Livre

TEXTO DA ARTISTA

Sou de Barra do Choça, interior da Bahia. De uma região conhecida como sertão da ressaca. Essa é a terra que brotou meu corpo de vida.

Cresci escutando estórias de mistérios, assombrações, encantarias, sempre ao redor de muitas mulheres. Uma delas, Dona Clara, com mais de cem anos, contava-me do tempo dentro de uma bacia d'água.

Tudo isso  – e mais um tanto – inscreveu-se em mim, desde a infância. Construía-se em mim, assim, meu imaginário; e, acredito, que também o de muitos tantos daquela nossa cidade e região.

Primeiro a escuta, a presença, a curiosidade e a imaginação brotando a infância. Depois, veio a palavra nos livros das bibliotecas de escola, a poesia apresentada por minha mãe, os desenhos nos versos das impressões de provas escolares. De minha vó, veio a relação com as linhas e os nós, as manualidades, o plantar na terra, as brincadeiras que fazíamos com as sombras das mãos sobre a parede sempre que ficávamos sem energia. Daí veio também a costura, o hábito de contar os sonhos dormidos pela manhã, seus ensinamentos de olhar o céu, a natureza, caminhar sobre pedras escorregadias. E, talvez o mais importante: o pisar devagar.

Das mulheres aprendi a estar viva. E a construir caminhos. Mas não só; embora tudo que com elas aprendi não caberia numa estrofe.

Meu trabalho artístico é atravessado, afetado, por todo esse antes que me acompanha presente até hoje, onde a realidade se entrecruza na ficção. Através do onírico, da imaginação, dos acontecimentos e afecções cotidianas, do espantoso da natureza e das nossas emoções humanas.

A partir daí, teço possíveis de criação e encantaria. Em meu trabalho, emprego, sobretudo, o corpo e o feminino, que variam entre suporte e temática. Embora sempre como fonte geradora de outros corpos, atmosferas, livusias, mutações e modificações.

Por estes caminhos, questiono ao meu modo as normas estabelecidas sobre o corpo e sobre nossas relações com a vida na contemporaneidade, assolada pelo capitalismo e pelos moralismos patriarcais que distorcem nossos sentidos, descolando-nos e distanciando-nos das múltiplas possibilidades de tecer o bem-viver e de sonhar outras imagens que nos permitam atravessar os desastres iminentes. 

Nas minhas imagens – seja por meio da pintura, do desenho, da fotografia ou do vídeo – tateio atmosferas onde o corpo, sobretudo da mulher, pode apenas ser e estar. Seja entre ou seja fundida aos elementos da natureza; ou aos que sugerem tais elementos, ou numa situação caótica, erótica, estranha, inquietante, assombrosa. Ou, então, solitária, de descanso, onde o corpo flutua. Mas também num fundo longe e escuro: vazio.  O corpo, em minhas imagens, pode atravessar o terror, a violência, o desastre, mas também dançar no caos, relacionando-se com o estranho que é ser o que ele é, um corpo, entre a vida e a morte, modificando-se, podendo ser muito, sem receios. 

Meu processo artístico se dá no encontro de possibilidades que a matéria, o corpo, o espaço físico e o digital me apresentam.

Meu trabalho é, em todos os sentidos, insubmisso e insurgente. Cruzo diferentes linguagens, técnicas e processos artísticos como um caminho de experimentação e de liberdade, de composições e de possibilidades. Nele, invoco interferências fotográficas, digitais e manuais nas imagens; trabalho com a pintura, a performance, o vídeo, a palavra e a construção do que chamo de objetos-coisas-máscaras.

As interferências fotográficas acontecem no depois do ato fotográfico ou do registro da performance, da cena. É todo antes que me guia quando a imagem está impressa. A fotografia em meu processo é um ponto de encontro dos outros meios que utilizo. Ela, para mim, afeta e é afetada pelos objetos-coisas-máscaras, pela pintura e pelo desenho, pelo vídeo, pela palavra e vice-versa. Todos estes processos e práticas artísticas vão construindo tessituras que se atravessam, seja no corpo da matéria, no ato, ou subjetivamente, movendo a poética de minha pesquisa e produção.

Virginia Di Lauro

sob o céu de maio , 2024, acrílica, plástico e ranhura sobre impressão fotográfica, dimens

LISTA DE OBRAS

ARTISTA (Cidade, UF, ano). Título, ano. Técnica. Dimensões. Procedência.

ARTISTA (Cidade, UF, ano). Título, ano. Técnica. Dimensões. Procedência.

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